sábado, 1 de maio de 2021

BANCADA NEGRA FORMALIZA A FRENTE PARLAMENTAR ANTIRRACISTA EM PORTO ALEGRE

 

A primeira bancada negra da história de Porto Alegre criou a Frente para articular políticas e ações antirracistas

Aprovada por unanimidade em fevereiro deste ano, a Frente Parlamentar Antirracista foi formalizada nesta quinta-feira (29). Construída por toda a bancada negra, a coordenação da Frente será dividida pelas vereadoras Karen Santos (PSOL), Bruna Rodrigues (PCdoB), Daiana Santos (PCdoB), Reginete Bispo (PT) e o vereador Matheus Gomes (PSOL). De acordo com os parlamentares, ela será o espaço unificado da bancada negra e dos vereadores solidários à causa negra em Porto Alegre, com o objetivo de articular políticas e ações antirracistas.

O ano de 2020, para além do início da pandemia, foi o ano em que reverberou pelo mundo que "vidas negras importam". A morte do estadunidense George Floyd e, posteriormente, o assassinato João Alberto Silveira Freitas, em Porto Alegre, fizeram com que, no meio do isolamento social, manifestantes saíssem às ruas dizendo basta ao racismo e à morte do povo negro. Levante que teve reflexo nas urnas da capital gaúcha, que elegeu em novembro sua primeira bancada negra.

Desde então, os cinco parlamentares vêm trabalhando e denunciando ações racistas como a ocorrida no dia 21 de abril, em que manifestantes direitistas usaram um carrasco e um boneco enforcado, em alusão à Ku Klux Klan, organização racista, antissemita, anticatólica e anticomunista fundada no século 19 no Sul dos Estados Unidos. Neste contexto, a Frente Parlamentar Antirracista se torna mais um importante passo, apontam os parlamentares.

“A criação da Frente foi uma das primeira ações propostas pela nossa bancada, por representar essa importância em nossas vidas, na vida de cada um que constitui a Bancada Negra e de cada mulher e homem negro que nos ajudou a chegar até aqui”, aponta Bruna Rodrigues (PCdoB).

A vereadora Daiana Santos (PCdoB) afirma que a conquista do espaço no Legislativo da Capital é uma oportunidade "para politizar absolutamente tudo". Segundo ela, "é assim que vamos ter a certeza de que essa construção real de espaços não será passageira, não só pela eleição desses cinco vereadores negros que já estão na história dessa cidade, mas que poderemos construir o ganho de consciência e o protagonismo do nosso povo preto, algo que vai seguir mobilizando e reverberando por anos”.

Segundo Bruna Rodrigues, a intenção é que a Frente seja um espaço de debate, mas, essencialmente, de criação de políticas públicas que dialoguem com as necessidades da população negra de Porto Alegre. “Como mulher negra, a minha luta se construiu a partir dessa identidade, dessa vivência, e na Câmara de Vereadores é urgente não só o lavante dessa pauta, mas a utilização dela como base fundamental para o exercício político. Ainda lutamos para existir com dignidade e isso faz com que tenhamos a necessidade de construir instrumentos que deem suporte a essa construção. Ocupamos este espaço e queremos fazer dele um instrumento potente de ampliação de vozes e de combate ao racismo”, afirma. 

Vereadora em exercício e representando o primeiro mandato coletivo da Capital, Reginete Bispo (PT) destaca que a cidade de Porto Alegre é uma das mais segregadas do país. Ela chama atenção para as mobilizações no último ano. “Esse tema mobilizou o mundo. Em plena a pandemia, quando o mundo estava em isolamento, o isolamento foi quebrado porque as pessoas foram às ruas dizer que vidas negras importam. Isso acontece porque o racismo contra as pessoas negras, e aqui no Brasil contra as pessoas negras e indígenas, assumiu uma proporção insuportável, as pessoas estão sendo mortas, o racismo vem se apresentado em suas mais diversas formas”, pontua.

Neste contexto, complementa Reginete, "quando o ódio racial cresce de uma maneira gigantesca e está naturalizado na fala e nos atos das pessoas, especialmente de alguns governantes, como por exemplo o nosso presidente da República, a Frente tem uma importância muito grande”, finaliza.

Conforme destaca o vereador Matheus Gomes (PSOL), o combate ao racismo será pauta transversal no trabalho da Frente, ou seja, do orçamento da cidade ao combate a pandemia. "Quando o IBGE diz que Porto Alegre é a capital brasileira mais segregada racialmente, fala do acesso à educação, saúde, de renda e trabalho, expectativa de vida, por isso, iremos dialogar sobre temas concretos da vida do povo negro e de periferia", afirma.

Matheus complementado que a constituição da Frente Parlamentar Antirracista consolida a novidade das eleições de 2020. “Se nos últimos quatro pleitos, apenas dois vereadores negros foram eleitos na primeira chamada, em uma eleição foram cinco vereadores, expressando o avanço da representação política negra no ano das maiores manifestações antirracistas da história”, conclui.

“Ações como o lançamento da Frente Antirracista me trazem esperança. Faz com que possamos olhar para o futuro e compreender que existe uma possibilidade real de construção de algo que é diferente do que sempre nos foi apresentado. A existência dessa frente simboliza aquilo que eu, Laura, Reginete, Karen, Bruna e Matheus desejamos e lutamos: um futuro igualitário, pensando nessa construção de possibilidades reais de ascensão do nosso povo, da classe trabalhadora, que sempre correu atrás. É um movimento necessário, quando nosso povo está sofrendo nesse período tão duro, onde as desigualdades se acentuam”, finaliza Daiana Santos.

Conforme destaca a bancada, o espaço é aberto para participação de todos vereadores não-negros e servirá para formular políticas públicas para a capital gaúcha e articular demandas do movimento social negro na Câmara. Na primeira reunião, participaram mais de 40 entidades e coletivos negros de Porto Alegre, como o Movimento Negro Unificado, a União de Negros pela Igualdade (Unegro) e o Clube Satélite Prontidão.

 *Com informações da assessoria da imprensa

 Fabiana Reinholz Brasil de Fato | Porto Alegre | 30 de Abril de 2021 às 16:24


Piso salarial de enfermeiros e parteiras pode ser incluído na pauta de votações do Senado


A inclusão na pauta de votações do piso salarial para enfermeiros e parteiras (PL 2.564/2020) é uma das reivindicações que devem ser levadas por senadores na próxima reunião de líderes. Ao longo de toda a semana, senadores se manifestaram, em Plenário e pelas redes sociais, a favor do projeto, apresentado pelo senador Fabiano Contarato (Rede-ES). O relatório da senadora Zenaide Maia (Pros-RN) é favorável à aprovação, na forma de um substitutivo (texto alternativo).

O projeto institui o piso salarial nacional para enfermeiros, técnicos e auxiliares de enfermagem e parteiras. O projeto, apresentado pelo senador Fabiano Contarato (Rede-ES) fixa o piso em R$ 7.315 para enfermeiros. As demais categorias terão o piso proporcional a esse valor: 70% (R$ 5.120) para os técnicos de enfermagem e 50% (R$3.657) para os auxiliares de enfermagem e as parteiras.

O relatório de Zenaide Maia contém algumas mudanças em relação ao texto original. Uma delas é a previsão de que a jornada normal de trabalho desses profissionais não será superior a 30 horas semanais.  O texto original determinava que o valor do piso seria aumentado proporcionalmente para cargas horárias maiores. A compensação de horários e a redução da jornada podem ocorrer por acordo ou convenção coletiva.

Também foi alterada a data de vigência da lei. O texto original previa a entrada em vigor 180 dias (seis meses) após a data da publicação. O substitutivo determina que a lei entrará em vigor no primeiro dia do exercício financeiro (ano) seguinte ao de sua publicação.

Campanha

Na última reunião de líderes, no dia 23, senadores defenderam a inclusão do projeto na pauta do Plenário. Depois, ao longo da última semana, vários parlamentares fizeram declarações de apoio ao texto nas redes sociais e durante as sessões remotas de votação.

Fabiano Contarato, autor do projeto, disse que pretende seguir com a mobilização para aprovar o texto e dar dignidade salarial para os profissionais que arriscam suas vidas para salvas as dos brasileiros nesta pandemia. Na última quarta-feira (28), ele elogiou o texto apresentado pela relatora e pediu que o projeto seja incluído na pauta.

— Esses profissionais não querem ser chamados de heróis, esses profissionais querem dignidade salarial. Eles estão dormindo nos corredores dos hospitais. Eles não têm alojamento, eles não têm equipamentos de proteção individual, não têm aposentadoria especial. Eles ganham, a maioria deles, menos que um salário mínimo ou um salário mínimo. É muito cômodo fazer um discurso enaltecendo esses profissionais, mas a efetivação disso está na aprovação do projeto — disse o senador.

Para a relatora, um piso salarial nacional possibilitará a oferta de serviços de saúde com qualidade. A senadora disse considerar que não é razoável exigir que justamente aqueles que trabalham nas piores condições recebam os piores salários ou remunerações.  Ela lembrou, ainda, os sacrifícios que estão sendo cobrados deles no período atual.

— Sabem quem vai vacinar a população nos feriados, aos sábados e domingos? O pessoal da enfermagem, gente. São os técnicos e enfermeiros que vão trabalhar. E 89% dos trabalhadores em enfermagem são mulheres. Esse projeto senador Fabiano Contarato, conta com o apoio da Bancada Feminina — disse a senadora, também em sessão remota.

O senador Veneziano Vital do Rêgo (MDB-PB) também manifestou apoio ao pedido de Contarato. Para ele, o piso é merecido, não só pelo momento atual, mas pelo trabalho que eles sempre fizeram.

— É um piso mais do que justificado não apenas por estes momentos árduos, áridos, cáusticos, dolorosos e atrozes que nós vivemos na pandemia, que terminam por mostrar a importância de técnicos, de auxiliares, de enfermeiros a quem não tem essa dimensão. 

Fonte: Agência Senado

sexta-feira, 30 de abril de 2021

DESIGUALDADE QUE MATA.

Sepultadores trabalham no cemitério de Vila Formosa, na capital paulista. Foto: Karime Xavier/Folhapress

Estudo inédito mostra que pobres, negros e pessoas de baixa escolaridade correm risco maior de morrer por Covid na cidade de São Paulo

A ilusão de que a Covid-19 seria uma doença democrática e atingiria da mesma forma todas as raças, classes e gêneros durou pouco – os números da pandemia escancararam ainda mais a desigualdade brasileira. É o que comprova o estudo Social Inequalities and Covid-19 Mortality in the City of São Paulo (Desigualdades sociais e mortalidade Covid-19 na cidade de São Paulo), que analisou as mortes ocorridas na capital paulista entre março e setembro de 2020. De acordo com o estudo, conforme diminuem os indicadores socioeconômicos, como o acesso à educação e a renda, aumentam os riscos de morte por Covid-19. Para além do dinheiro, a cor da pele é o fator mais preponderante para o risco de perder a vida por causa do Sars-CoV-2, uma vez que entre pretos e pardos as taxas de mortalidade são 81% e 45%, respectivamente, mais altas que as de pessoas brancas.

Publicado em 28 de fevereiro deste ano, no International Journal of Epidemiology, da Oxford Academic, o estudo usou dados do Sistema de Informações sobre Mortalidade da cidade de São Paulo. O sistema registra todas os óbitos acontecidos no município, com informações sobre idade, sexo, raça, distrito de residência, local e data de morte, tipo de administração da unidade de saúde (pública ou privada) e a causa da morte. Esses dados foram cruzados com os indicadores socioeconômicos dos locais de moradia dessas pessoas, o que permitiu aos pesquisadores entender como os contextos sociais podem influenciar na eficiência do combate à Covid-19.

Os números mostram a relação entre o nível de escolaridade e o risco de morrer por Covid. Na população jovem e adulta, entre aqueles que vivem em áreas com menor percentual da população com curso superior, a mortalidade foi quatro vezes maior em comparação com o grupo que mora em áreas mais escolarizadas. Isso pode ser consequência da exposição maior ao vírus devido à ida ao trabalho, o uso de meios de transporte e a alta incidência de comorbidade entre pessoas com menos escolaridade.

A desigualdade sempre existiu, a pandemia só veio para escancarar isso. E quando a gente fala da diferença racial, aí que o abismo fica ainda maior“, diz Karina Ribeiro, professora e pesquisadora do departamento de Saúde Coletiva da Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo, que liderou o estudo. “A heterogeneidade em altas taxas de morbidade e mortalidade de Covid-19 está frequentemente associada à estrutura de saúde de um país e à desigualdade social, por isso esses dados repetem os abismos sociais do Brasil.”

O estudo comprova uma associação direta entre raça e local de morte. Enquanto os asiáticos foram o grupo com maior percentual de óbitos domiciliares, os negros (soma dos pretos e pardos) apresentaram os maiores percentuais de óbitos em unidades de saúde que não hospitais, ou seja, unidades básicas de saúde. Além disso, três em cada quatro os negros morreram em instituições públicas; já brancos (49,4%) e asiáticos (72,2%) morreram mais frequentemente em unidades de saúde privadas ou sem fins lucrativos. Isso pode estar relacionado com as barreiras no acesso à saúde. A cidade de São Paulo possui 4,09 leitos de unidade de terapia intensiva (UTI) por 10 mil habitantes, mas essa taxa é de 5,27 no setor privado e apenas 1,58 para o Sistema Único de Saúde (SUS).

Os impactos da desigualdade social na letalidade da doença também ficam claros na comparação entre os distritos com a maior e a menor taxa de mortalidade. O Brás, bairro de classe média conhecido pelo comércio de roupas na região central de São Paulo, registrou 192,3 óbitos por 100 mil habitantes, número quase quatro vezes o verificado no Jardim Paulista, bairro de elite, cuja taxa foi de 48,1 óbitos por 100 mil habitantes. Na capital paulista como um todo, o índice foi de 123,2 óbitos/100 mil habitantes “Não é que as pessoas mais ricas não se infectam ou morrem, o que acontece é que elas têm mais recursos à disposição que ajudam para que a mortalidade nesse grupo social seja menor”, apontou Ribeiro.

De acordo com a pesquisa, em áreas ricas, a desigualdade entre brancos e negros aumenta. É esse segundo grupo que morre mais. Quando moram nesses bairros, os negros residem no trabalho, como empregados domésticos, mas o acesso deles à saúde não é igual, e suas condições de vida não são as mesmas. “O empregado não tem o mesmo tratamento de saúde do patrão, ele habita aquele lugar, mas não pertence a ele. É a questão racial se mostrando mais forte que as demais. A diferenciação racial vai aumentando conforme aumenta a renda.”

Um outro dado que chamou a atenção da pesquisadora foi a diferença entre homens e mulheres quando o assunto é risco de morte por Covid-19. O levantamento aponta que, em todas as idades, pessoas do gênero masculino têm 84% mais risco de morrer do que as do gênero feminino. A ciência ainda não consegue cravar o porquê disso, mas alguns fatores podem explicar a disparidade, como hormônios sexuais, diferenças no estilo de vida que podem resultar nos homens maiores comorbidades, diferenças na exposição ao Sars-CoV-2 devido a fatores comportamentais e ocupacionais ou consciência dos sintomas e adesão às medidas preventivas de saúde.

As desigualdades apontadas pelo estudo poderiam ser ainda maiores se os indicadores socioeconômicos utilizados tivessem sido colhidos de cada uma das 19,5 mil pessoas que morreram no período estudado. Porém, ainda que o sistema de registro de óbito paulistano seja um dos mais completos e ágeis do Brasil, essas informações não estavam disponíveis. Mesmo assim, entendem os pesquisadores, é possível imaginar que as conclusões podem servir como parâmetro para entender a dinâmica das mortes por Covid em todo o país. “Esses resultados, ainda que sejam específicos da cidade de São Paulo, podem ser usados para se ter uma noção do que acontece em outras grandes cidades. Existe, inclusive, a possibilidade que os índices de desigualdade sejam ainda piores fora da capital paulista”, diz. 

No fim do período estudado, houve uma tendência de diminuição na mortalidade em todos os grupos raciais, que começou mais cedo entre brancos e asiáticos, em comparação com pretos. Uma explicação possível para isso é a dificuldade em implementar medidas de distanciamento social e higiene adequada em áreas com alta vulnerabilidade social devido à aglomeração familiar e às precárias condições de vida.

Com o recrudescimento da pandemia e os recordes diários de mortes por conta da Covid-19, a tendência de mortes deve se repetir. “A direção para que se aponta é quase a mesma de quando começamos o estudo, só que mais acelerada. Nada foi feito para mudar essa tendência, pelo contrário. Houve um desincentivo às medidas protetivas e isso impacta fortemente nas camadas menos favorecidas”, avaliou Ribeiro. Para a pesquisadora, a politização da pandemia sabotou o sistema de saúde e o programa de vacinações. “O que aconteceu no Brasil foi uma esculhambação geral, principalmente por parte do governo federal. A negação da ciência e a descrença no perigo da Covid-19 todos os dias desorientam a população e levam ao caos que estamos vendo.”.

08mar2021_13h23

MARCOS AMOROZO (siga @marcosamrz no Twitter)

Estagiário de jornalismo na Piauí, é estudante da Universidade de Brasília (UnB)

  Reportagem Revista Piauí.