O livro “Dançando na mira da ditadura: bailes soul e violência contra a população negra nos anos 1970” vai mostrar como a juventude negra foi alvo de violações durante o regime militar. A obra foi escrita por Lucas Pedretti, o historiador que encontrou o dossiê usado para prender Caetano Veloso, ponto de partida do filme “Narciso em férias”.
Entre diversos documentos e situações, Pedretti narra como Tony Tornado foi alvo do Centro de Informações do Exército durante o 5º Festival Internacional da Canção, em 1970. No documento intitulado
“Flávio Cavalcanti, Tony Tornado e Danuza Leão tentam suscitar o problema da discriminação racial no Brasil”, os militares relatam que Tony importou o “gesto-símbolo do
‘poder negro’ (comunista)”.
Organização de Sasha Johnson, o Taking The Initiative Party, revelou que inglesa recebeu inúmeras ameaças de morte.
O partido Taking the Initiative revelou que Sasha Johnson, uma das principais ativistas do movimento Black Lives Matter no Reino Unido e que ficou conhecida como a Pantera Negra de Ofxord,
está internada em estado grave na UTI depois de ser "brutalmente atacada" na madrugada de domingo. O grupo alega que o ataque, ocorrido em Southwark, no sul de Londres, ocorreu após "inúmeras
ameaças de morte".
Sasha foi baleada na cabeça na madrugada de domingo perto de uma festa em Londres, quando estava ao lado de alguns de seus apoiadores, que insistem que o atentado foi "o
resultado de seu ativismo". No entanto, a Polícia Metropolitana insiste que não há nada que sugira que tenha sido um ataque direcionado ou que a vítima tenha recebido ameaças confiáveis
contra ela antes do tiroteio, por volta das três da manhã de ontem.
Os policiais disseram que a mulher foi levada a um hospital no sul de Londres com ferimentos fatais e abordaram testemunhas atrás de depoimentos
para descobrir quem teria efetuado o disparo. Detetives do Comando de Especialistas em Crimes do Met estão conduzindo investigações no local e na área ao redor e estão abordando diferentes
linhas de investigação.
Em depoimento, um representante da polícia afirmou: "Este foi um incidente chocante que deixou uma jovem com ferimentos muito graves. Nossos pensamentos estão com
sua família, que está recebendo apoio neste momento terrivelmente difícil". "Se você viu algo suspeito na área da Consort Road nas primeiras horas da manhã de domingo
ou se ouviu informações que desde então poderiam ajudar os detetives, é fundamental que você entre em contato", continuou o investigador.
Sasha, mãe de dois filhos e formada pela Oxford Brookes University, tem sido uma figura importante no movimento Black Lives Matter no Reino Unido e é membro do comitê
de liderança do Taking the Initiative Party. Em comunicado oficial, a organização escreveu: "Sasha sempre lutou ativamente pelos negros e pelas injustiças que cercam a comunidade negra, além
de ser membro do BLM e do Comitê de Liderança Executiva do Taking the Initiative Party. Sasha também é mãe de dois filhos e uma voz forte e poderosa para nosso povo e nossa comunidade. Vamos
todos nos reunir e orar por Sasha, orar por sua recuperação e mostrar nosso apoio a sua família e entes queridos".
Uma garota em um parque em São Paulo nesta quinta-feira. Mais da metade dos estupros no Brasil são contra menores de 13 anos. LELA BELTRÃ
Reportagem em áudio no final da pagina:
Mais
de 5.300 menores de 13 anos no Brasil denunciaram abusos sexuais em 2019. A
ponta do iceberg, pois considera apenas o que chega aos ouvidos da polícia
Geralmente são notícias
curtas na imprensa local. “Um homem e uma mulher foram presos pelo estupro de
uma menina de 13 anos. O delegado explica que o homem, casado com uma tia da
vítima, a estuprou durante seis anos. Os fatos eram do conhecimento da mãe e da
avó”. As prisões aconteceram na quarta-feira, 5 de maio, em Pinheiros, cidade
de 77.000 habitantes no Norte do Brasil. Nem a idade da vítima nem as circunstâncias
são algo excepcional. Informação anódina que narra crimes cotidianos. As estatísticas do Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP) são chocantes. A
cada hora, quatro meninas menores de 13 anos são estupradas no Brasil, de
acordo com os números mais recentes. Mais da metade das 5.636 vítimas em 2019
tinha menos de 13 anos.
E isto é apenas a ponta
do iceberg, pois considera apenas o que chega aos ouvidos da polícia ou dos
serviços de saúde. “A violência sexual contra crianças está envolvida por um
pacto de silêncio”, enfatiza Márcia Bonifácio, chefe de uma equipe de
psicólogos e psicopedagogos da Prefeitura Municipal de São Paulo que apoia as
escolas quando surge um aluno problemático. Seu comportamento muitas vezes
esconde que é vítima de violência sexual ou de algum outro tipo.
Três brasileiras, a
educadora Bonifácio, a promotora Renata Rivitti e a diretora do Instituto Liberta,
Luciana Temer, usam sua vasta experiência para ajudar a entender os contornos
desse crime tão arraigado nesta cultura patriarcal e machista repleta de tabus
que, ao mesmo tempo, promove a sexualização precoce. “É um círculo muito
perverso com poucos finais felizes”, diz Bonifácio.
A vítima pode ser uma
menina de quatro anos que se masturba quatro vezes ao dia na aula, uma garota
de 10 anos que começa a mostrar a figura de uma mulher grávida, um menino de
sete anos que obriga seus colegas a fazer sexo oral, uma adolescente aplicada e
retraída que aparece com um olho roxo e oferece explicações pouco credíveis...
As vítimas não seguem um padrão. Os agressores sim: “Não tenho notícias de
nenhum caso em que a agressão tenha sido perpetrada por um estranho”, diz
Bonifácio. Geralmente pertence ao entorno familiar. O pai, o padrasto, irmãos
mais velhos, tios, avós, amigos da família...
Aqueles que combatem a
violência sexual contra as crianças insistem em como ela é democrática. No muito desigual Brasil, não diferencia raças ou classe social. A Unicef estima
que 120 milhões de mulheres tiveram um contato sexual indesejado antes dos 20
anos.
O Código Penal Brasileiro considera estupro de pessoa vulnerável manter relações carnais ou
praticar qualquer ato libidinoso com menor de 14 anos. As agressões podem
começar muito cedo e durar muitos anos. Não é rara a cumplicidade da mãe ou de
outros parentes, nem que a vítima seja responsabilizada por destruir a família
ou deixá-la sem amparo quando o agressor é quem traz o dinheiro para casa.
Costuma ser um processo in crescendo, no qual os abusos são cada vez mais
invasivos, mas sutis. Muitas vezes não deixam marcas.
Márcia Andrea Bonifácio
lidera uma equipe de apoio às escolas que detectam casos de violência sexual.
LELA BELTRÃO
“Quando têm entre zero e
seis anos, as vítimas têm pouco repertório, podem até perceber isso como uma
brincadeira, como uma demonstração de carinho, sentem prazer, não têm
parâmetros e é muito comum o agressor exigir que guardem o segredo”, explica a
promotora Rivitti. Elas são pequenas demais para distinguir o que é certo e o
que não é. Uma dificuldade que não depende apenas da idade. Bonifácio, cuja
equipe se chama Núcleo de Apoio e Acompanhamento para a Aprendizagem, lembra o
caso de uma adolescente de 13 anos de uma família evangélica que descobriu em
uma aula de ciências que aquilo que o pai fazia com ela desde que com oito
menstruou pela primeira vez era sexo. Aquela garota não tinha televisão,
celular ou internet. Por isso, diz a promotora, as aulas de educação sexual são
tão importantes.
Os casos mais graves vêm
à tona em um hospital
Detectar o abuso é o primeiro passo. Quando são pequenos, geralmente se descobre pelo comportamento
na escola. Se forem mais velhos, contam a alguém de confiança. Os casos mais
graves vêm à tona em um hospital.
Descobrir o abuso não é
fácil, proteger a vítima sem minimizá-la, tampouco. E perseguir o crime, menos
ainda. A promotora Rivitti afirma que levar a vítima para um abrigo deve ser o
último recurso. Grande é o risco do que chamam de violência institucional. Se
depois de peregrinar por diferentes serviços para repetir seu primeiro relato
perante o conselho tutelar, a polícia, o hospital, submetendo-se a uma
avalanche de perguntas e um minucioso exame pericial, a menina acaba longe de
seus parentes, de seu bairro, de sua escola e de seus amigos, ela se culpa. Diz
‘minha boca está amaldiçoada, eu falei e me castigaram’.” Algumas se desmentem
porque o preço que pagam por revelar o abuso não lhes compensa.
“Temos que dar
informações às vítimas para que entendam o que é o abuso, para que saibam
relatá-lo e temos que dar crédito ao que dizem”, insiste a promotora Rivitti.
Isso é um começo. Depois tentam identificar um membro da família para proteger
a menina em casa e afastar o estuprador. Se ele é fonte de renda, tentam buscar
ajuda financeira.
E a punição aos
agressores? Conseguir um caso suficientemente sólido para ser levado ao juiz é
outra grande dificuldade. Geralmente é a palavra da criança contra o adulto. O
pior pesadelo de quem combate o estupro infantil é que o tribunal absolva o
acusado. “Não podemos entregar o cordeiro ao lobo com aval judicial”, alerta a
promotora.
Apesar da complexidade
do desafio, cada uma das três lutas em uma frente para que na próxima hora
quatro brasileiras menores de 13 anos não sejam estupradas. Temer o faz à frente
do Instituto Liberta, com documentários como Um crime entre nós, com o qual
busca sensibilizar, romper “o círculo perverso da normalização do abuso”. Entre
os recrutados para a missão, um dos homens mais famosos do Brasil, o
apresentador da Rede Globo Luciano Huck, cujo nome é citado como candidato à
presidência.
A promotora Rivitti
tenta replicar no Estado de São Paulo o modelo que criou em Jacareí, cidade de
235.000 habitantes do interior, onde através da coordenação dos serviços
educacionais, sociais e de saúde conseguiu proteger melhor as vítimas, o que
levou a mais denúncias, menores testemunhas em julgamentos e mais condenações.
Ela trabalha com uma rede de 70 outros promotores.
Com as escolas fechadas
durante meses devido à pandemia, a equipe liderada por Bonifácio abriu novos
canais para os alunos lançarem um SOS. Criou um site que canalizou as denúncias
de 200 casos de violência em nove meses. Destes, 56 eram de violência sexual.
Em conversa com o Papo de Mãe, a coordenadora do
programa "Racismo e Bullying", Natália Carneiro, nos conta sobre a
série no Instagram.
A série “Racismo e
Bullying: como proteger jovens negras?” surgiu de uma parceria do Geledés,
Instagram e da ONG SaferNet, com ilustrações de Bruna Bandeira e direção de Day
Rodrigues. O Geledés - Instituto da Mulher Negra foi criado em 30 de abril de
1988. É uma organização política de mulheres negras que tem por missão
institucional a luta contra o racismo e o sexíssimo, a valorização e promoção das
mulheres negras, em particular, e da comunidade negra em geral.
Lançada na última
sexta-feira (07), a série tem três episódios em formato de ilustração sobre
Guta, uma menina negra de 13 anos que sonha em ser cineasta. “A gente queria
trabalhar com uma menina livre, que gostasse de si mesma e muito bem resolvida
com as questões raciais dela, para poder passar isso para outras meninas. Que
representasse todas as meninas negras dentro dessa faixa etária a partir dos 13
anos de idade”, diz Natália Carneiro, 29, coordenadora do Programa Institucional de Geledés.
O projeto teve início no
final de 2019, em um longo processo para entender quais eram as necessidades da
pauta dos direitos das jovens negras, tendo um enfoque na evasão escolar e no
diálogo sobre o bullying. “Muitas vezes o racismo é tido como bullying, e a
gente precisa diferenciar o que é racismo e o que é bullying, como afeta a
criança negra de maneiras e perspectivas diferentes”, observa a coordenadora.
Segundo o Observatório
da Educação, existe uma idade crítica para a evasão escolar no Brasil. No
ensino fundamental, com mais ou menos 13 anos de idade, a proporção de jovens
na escola chega a 97%. Essa proporção cai quando se trata de jovens de 16, 17 e
18 anos. O último levantamento feito pelo IBGE traz números alarmantes: das 50
milhões de pessoas com idades entre 14 e 29 anos, 20% delas não tinham
terminado alguma etapa da educação básica.
Natália conta que apesar
de recente, o projeto tem sido procurado por muitos educadores que entendem a
importância do tema dentro da sala de aula: “Inicialmente achamos que o projeto
ficaria somente no âmbito da internet, mas logo no lançamento do teaser
(chamada), vários professores nos enviaram mensagens perguntando como aplicar
aquilo em sala de aula”. A importância dessa ponte entre quem está consumindo o
Instagram e a faixa etária para quem a Guta pode conversar é enorme, já que o
Instagram só permite perfis a partir da idade mínima de 13 anos.
Ao término da série, ela
ficará disponível no Portal Geledés como material para quem quiser utilizar.
Ficou interessado? O
primeiro episódio já está no ar, confira no Instagram do Geledés.
Onze estados não
fornecem as informações das vítimas das duas polícias. Mesmo entre os que
coletam os números, há vários casos de ‘raça não informada’. Dados divulgados
revelam que quase 4 em cada 5 mortos são negros.
Os estados brasileiros
não sabem ou não informam a raça de mais de 1/3 das pessoas mortas pela polícia
em 2020. Ao menos 11 unidades da federação não passam nenhum tipo de informação
sobre a raça/cor da pele das vítimas das duas corporações (polícias Militar e
Civil). Mesmo entre os que coletam e disponibilizam os dados, há vários casos
de “raça não informada”.
Considerando apenas os
casos em que a raça é divulgada, os números revelam que 78% dos mortos pelas
polícias são negros.
É o que mostra um
levantamento exclusivo feito pelo G1 dentro do Monitor da Violência, uma
parceria com o Fórum Brasileiro de Segurança Pública e o Núcleo de Estudos da
Violência da USP.
Falta transparência na divulgação da raça de mortos pela polícia — Foto: Guilherme /G1
Os pedidos foram feitos
para as secretarias da Segurança Pública dos estados (e diretamente para as
corporações em alguns casos) por meio da Lei de Acesso à Informação e das
assessorias de imprensa. Foram solicitados os casos de “confrontos com civis ou
lesões não naturais com intencionalidade” envolvendo policiais na ativa.
Dez estados, porém, não
divulgam as mortes em confronto policial por raça, informação que também foi solicitada
pelo G1. Assim, com Goiás, são 11 os estados que não divulgam as informações
raciais de forma completa (de ambas as polícias). Eram 12 no último
levantamento, referente ao primeiro semestre do ano passado.
O levantamento mostra
que:
a raça de 2.064 das
5.660 pessoas mortas pela polícia em 2020 não é conhecida, ou seja, 36% do
total
11 estados não divulgam
os dados de raça das vítimas de ambas as polícias
das 3.596 vítimas para
as quais há a informação da raça, 2.815 são negras (78%)
Acre e Roraima são os
únicos estados que informam a raça de todas as vítimas mortas no ano
mesmo entre os estados
que coletam os dados, 1.013 vítimas aparecem como raça “não informada” ou
“desconhecida”
Falta de transparência
Para Felipe Freitas,
pesquisador do Grupo de Pesquisa em Criminologia da Universidade Estadual de
Feira de Santana, a falta de informações impede a construção de políticas
públicas democráticas na área da segurança.
“Nas áreas da saúde e da
educação, por exemplo, só foi possível avançar em uma agenda de enfrentamento
ao racismo à medida em que se qualificaram os instrumentos de registro das
informações, que permitiram identificar a desigualdade racial”, compara.
Além da não divulgação
dos dados, a falta de padronização chama a atenção. Há casos em que “albino”
foi considerado uma raça, por exemplo, sendo que o albinismo é uma doença, e
não uma categoria racial.
A referência é a
classificação do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), que
trabalha com as seguintes opções: branca, preta, parda, indígena ou amarela. Os
pardos e pretos compõem os negros.
Para superar essas
dificuldades, Freitas aponta que um dos caminhos é treinar as equipes da área
da segurança pública para perguntar e preencher a informação sobre sobre
raça/cor, assim como ocorreu nos serviços públicos de saúde.
“A área da saúde passou
quase dez anos investindo em formação para que eles aprendessem a, no
atendimento da atenção básica, perguntar qual a raça/cor dos pacientes. É
preciso desenvolver o processo de formação, corrigir os sistemas para não
permitir que se avance sem preencher essa informação e retirar as categorias
ignorado ou ‘não quis declarar’, que criam uma limitação estatística
gigantesca”, exemplifica.
Não houve nenhum caso
enquadrado como “indígena”, por exemplo, no levantamento do G1. Isso não quer
dizer que nenhuma pessoa indígena foi, de fato, morta pela polícia. Como não
existe uma padronização oficial de preenchimento, elas podem ter sido
categorizadas como pardas ou podem constar da categoria “não informado”.
Manifestantes erguem a bandeira do Black Lives Matter — Foto: Kerem Yucel/AFP
Por que a polícia mata
mais negros?
Para Felipe Feitas, o
racismo estrutural explica por que a polícia mata mais pessoas pretas e pardas.
“O peso das representações negativas e dos estereótipos em relação às pessoas
negras produz socialmente essa autorização para matá-las”, afirma.
No entanto, há questões
técnicas, relacionadas à dinâmica entre a polícia e o Judiciário, que
influenciam essa seletividade, diz.
“O modelo de policiamento brasileiro é
ostensivo, de grandes operações e de flagrante. E a atuação do policial na rua
é muito influenciada pelas práticas discriminatórias que estão presentes na
sociedade. Assim, há um alto grau de discricionariedade no contato com a
população. E o Judiciário é muito frágil em estabelecer balizas para a ação
policial”, explica Freitas.
Negros são 78% dos mortos pelas polícias no Brasil em 2020. — Foto: Elcio Horiuchi/G1
A diretora da Anistia
Internacional, Jurema Werneck, também aponta a responsabilidade do Judiciário e
do Executivo, principalmente dos governadores, nos assassinatos de negros
cometidos pelos agentes de estado.
“Não é só matar, é
deixar matar. O racismo na administração do estado também está contribuindo
para esse quadro”, afirma Jurema. “E esconder informação é uma estratégia para
continuar permitindo essa violação profunda dos direitos humanos das pessoas
negras no Brasil."
Como parte da solução,
Felipe Freitas aponta que, mais do que focar nas polícias, a sociedade civil
precisa pressionar outras instâncias de poder – o Ministério Público, por
exemplo, tem a função constitucional de controle externo das polícias.
“E não só para pensar se
o policial que age abusivamente está sendo punido ou não, mas que não se valide
o produto da ação policial que não é produzida legalmente. Isso é uma forma de
estimular uma conduta policial dentro da legalidade e, ao mesmo tempo, reprimir
a ação policial fora da legalidade”, diz Freitas.
Morte de George Floyd
Discussões sobre racismo
e raça ganharam destaque em todo o mundo capitaneadas principalmente pela onda
de protestos que tomou os Estados Unidos após a morte do ex-segurança negro
George Floyd por um policial em Minneapolis em 25 de maio do ano passado.
Manifestante segura cartaz com retrato de George Floyd durante protesto em Nova York — Foto: Angela Weiss/AFP
O americano morreu
asfixiado após ter o pescoço prensado pelo joelho do policial Derek Chauvin por
8 minutos e 46 segundos. Um vídeo que mostra o momento da sua morte circulou
pela internet, aumentando a visibilidade do caso e gerando indignação. Nos dias
seguintes, diversas cidades do país registraram protestos por conta da
violência policial cometida contra a população negra. Os atos ganharam o mundo
e ocorreram também no Brasil.
Os estados que não
divulgam as informações de raça têm explicações distintas para a falta de
transparência.
No Amazonas, por
exemplo, a Secretaria da Segurança Pública diz apenas que “os dados não são
coletados com esse detalhamento”.
Já em Minas Gerais, o
governo diz que “para elaboração dos dados são necessários trabalhos laboriosos
de análise, consolidação e tratamento” e, por isso, não tem condição de passar
as informações referentes à Polícia Militar.
No Pará, a justificativa
é que “a grande maioria [dos dados] não foi informada no momento do
preenchimento do boletim de ocorrência”. O estado, porém, não diz a raça de
nenhuma das vítimas.
O Núcleo de Análise
Criminal e Estatística da Secretaria da Segurança da Paraíba, por sua vez, diz
que, do mesmo modo como é feito pelo IBGE, o método de captação do dado de
raça/cor é a “auto declaração”. “Porém, como isso não é possível para as pessoas
mortas, na verificação estatística deste quesito utiliza-se o registro da
classificação inserida na Declaração de Óbito que compõe o Sistema de
Informação de Mortalidade do Datasus.”
“Esse é o documento
oficial, muito mais seguro e apropriado do que uma informação de um parente ou
de um policial que visualiza o corpo. Em razão disso, como se utiliza outra
fonte de dados para a verificação do quesito raça/cor, não é possível
desagregar esta variável para as outras classificações do banco de informações
oriundas das polícias utilizado pelo núcleo, a exemplo dos inquéritos
policiais, de onde vêm as informações para classificar o CVLI como feminicídio,
latrocínio, confronto policial, entre outros”, diz a secretaria.
No mês de maio as Casas de Umbanda festejam os Pretos Velhos. Já os Barracões de Candomblé, dividem-se. Uns, aderem aos festejos. Outros, fazem questão de rejeitar as comemorações, alegando inexistir culto aos Pretos Velhos na Liturgia africana. Acho mais do que pertinente lançar algumas ponderações a respeito.
Não resta sombra de dúvidas que o culto aos deuses africanos no Brasil (como já diferiam Pierre Verger e Roger Bastide) não é igual ao da África. E não foi apenas o Oceano Atlântico que proporcionou as distinções. Além da geografia, o tempo, a cultura, os aspectos sociais, os episódios históricos, os novos sentires, os novos olhares e a própria fauna e flora, contribuíram decisivamente para que várias alterações fossem realizadas no rito original. O que eu chamo de “releitura”. Nada engendrado, nem premeditado. Apenas ocorrido.
Todavia, adaptado ou não; relido ou não, a organização sócio-religiosa que nós chamamos de Candomblé só existe no Brasil graças aos negros africanos de diversas etnias e a seus descendentes. Graças a eles. À alma deles.
Naquela época, dizia-se que os “negros não tinham alma”. Mas hoje, há que se dizer: tinham, sim! Têm, sim! O Candomblé deve sua existência à alma deles! Dos “Pretos Velhos”, dos “Pretos Novos”, dos “Pretos”, dos velhos, dos novos. Negar a importância daqueles homens e mulheres sábios e briosos na formação do Candomblé, é negar novamente e preconceituosamente sua alma, seu espírito guerreiro, sua dignidade, sua força.
Os negros africanos chegaram nesta terra distante em condições precárias, despojados de sua liberdade, família, bens e costumes. Mas não abandonaram sua religiosidade.
Foram confinados em navios pútridos e em galpões inabitáveis. Separados dos seus, foram vendidos como animais em praça pública até serem finalmente jogados em senzalas onde eram misturados com outros desafortunados. Congoleses, angolanos, daomeanos, iorubanos, trabalhavam de sol a sol, sem direitos, sem reconhecimento.
A despeito de tudo, esse povo corajoso não deixou que se perdesse o único bem que lhes restara a salvo de seus algozes: sua crença.
Em que pese o massacre físico e emocional, os escravos mantiveram acesa a chama da fé. Venceram a opressão, a dor física e o sofrimento moral. Apesar de proibidos de cultuar seus Deuses pela brutalidade dos feitores, encontraram no sincretismo com imagens de Santos católicos, uma forma de lograr os brancos e agradar aos seus ancestrais.
Se hoje, séculos após, podemos livremente bater no peito e erguermos a voz para nos dizermos candomblecistas, devemos àquele Povo heróico, que conseguiu a proeza de, na condição de escravos, perpetuarem sua herança; manterem viva sua memória.
O Candomblé deve sua alma a eles. O Candomblé tem a “alma” deles. Negar isso é negar novamente a alma dos negros.
Os fundadores “dos Candomblés” são nossos ancestres, são nossos “ésà”. São nossos “mais velhos”. São nossos “Pretos Velhos”. Se do Benin, de Angola, do Congo, ou de Kétu. Não sei. Não sei em que terra, ou terreiro. Não sei. Sei que os quero por perto. Bem perto. Salve a alma deles! Adorei as almas!
Salve Joaquim, Benedito, Roque, Maria Joana, Aninha, Senhora, Talabi, Salakó! Salve! Salve Menininha, Salve Stella, Salve Olga, Salve Beata! Salve as almas dos “Pretos”! Salve a viva alma dos “Velhos”!
Arquivo
Frente Brasil Popular MG *Dandara
Tonantzin é pedagoga, mestranda em educação e vereadora pelo PT em Uberlândia
-MG
A liberdade nunca bateu na nossa porta: 133 anos de
falsa abolição Três séculos de tortura, assassinato, privação de liberdades e
estupros não se apagaram em 133 anos de abolição da escravatura. O genocídio
continua.
A história oficial nos
conta que no dia 13 de maio de 1888 a “benevolente” princesa Isabel assinou a
Lei Áurea, salvando o povo negro dos horrores da escravidão. O que não consta
nos livros tradicionais é que a abolição foi fruto de muita luta de nossos antepassados,
que resistiram com fugas organizadas dos cativeiros, rebeliões, quilombos e
lutas abolicionistas. De salvadora a princesa branca não teve nada; a lei foi
assinada por pressão econômica internacional inglesa que desde 1845 proibia o
tráfico negreiro.
Cerca de 4,8 milhões de
africanos foram sequestrados de suas famílias e encarcerados em navios
tumbeiros para o Brasil. O trajeto era desumano e a vida dos sobreviventes era
rodeada de perversidade. Latifúndios eram campos de concentração onde pessoas
escravizadas eram tratadas pior que animais de carga. Apesar de tanta dor,
sobrevivemos e construímos esse país à sangue e suor. A contribuição que demos
para a construção da pátria ainda é negada. Ainda aparecemos nos livros de
história somente nas páginas que remetem ao crime da escravidão.
Somos bisnetos (as) de
guerreiros e guerreiras, que saíram da escravidão sem reparação alguma, sem
direitos à terra, à educação ou moradia. Sem perspectivas, o povo negro começou
a habitar as periferias ao redor dos centros urbanos que se formavam. No dia
14, após a lei de abolição, o que restou para nós?
Por isso hoje não
comemoramos a falsa abolição, chancelada pelo viés branco. Hoje exigimos
respeito e igualdade, mesmo que tardia. A escravidão deixou marcas na nossa história.
No momento em que nascia o Brasil, a escravidão era mais do que somente um
modelo econômico, era um sistema político, cultural, social, que constituiu
valores, que organizou geopoliticamente as cidades, determinou lugares e não
lugares. O preconceito racial se enraizou de tal maneira em nossa sociedade que
o racismo se tornou estrutural, presente nos discursos de ódio da internet, nas
piadinhas sobre o cabelo ou traços afros, na ausência de pessoas negras em
cargos de liderança e espaços de poder.
Hoje, negros são 79,1%
das vítimas de intervenções policiais que resultam em morte, de acordo com o
Fórum Brasileiro de Segurança Pública de 2020. Somos também 66,7% dos
encarcerados nas prisões brasileiras. Durante a pandemia de Covid-19 morreram
40% mais pretos e pardos do que brancos.
A chacina de
Jacarezinho, no dia 06 de maio, nos lembra que os fantasmas da escravidão
seguem os passos de cada pessoa negra nesse país: Na desvalorização, no medo,
na perseguição, na fome, nos estigmas, na bala perdida que sempre encontra o
corpo negro. Nossa cor de pele é alvo. Nossa cultura, nossos ritmos, nossa fé.
No dia 13 de maio de
2021 são milhares de mães pretas que velam seus filhos assassinados,
desaparecidos, crimes que nunca tiveram justiça. Miguel Santana, Clayton da
Silva Freitas Lima, Cláudia Silva Ferreira, Ray Pinto Faria, Jenifer Gomes e
tantos mais. Se tornaram vítimas de sistema cruel, onde o preto é suspeito e
nossas lágrimas não importam.
Temos pressa para que as
coisas mudem. Já são 133 anos de um grito preso na garganta. Diferente do que
canta o hino nacional, o sol da liberdade não raiou para todos (as) nós. É
cansativo ainda lutarmos pela quebra das correntes do racismo.
Ocupamos espaços
importes, por exemplo, sou uma mulher negra na Câmara de Vereadores de
Uberlândia. Olho para o lado e vejo os herdeiros da casa grande até hoje no
poder. Não toleram a nossa presença, incomodamos. Nada para o povo preto foi de
graça, ou por acaso. A libertação nunca bateu na nossa porta. Tudo foi, tudo
será: LUTA.
O coronel Carlos Cerqueira foi o policial negro que tentou humanizar a Polícia Militar do Rio de Janeiro e acabou assassinado em um crime até hoje polêmico.
Nos anos 80, o coronel Carlos Magno Nazareth Cerqueira já tinha pelo menos duas décadas de trabalho
policial. Ele foi nomeado pelo governador Leonel Brizola para ocupar o cargo de
Secretário Chefe de Polícia Militar, órgão recém-criado pelo então governador
do Rio de Janeiro, em 1983.
Por ser visto como um
homem que perseguia policiais e atrapalhava negócios escusos da polícia, Carlos
Cerqueira foi perseguido pela própria instituição. Tendo feito muitos inimigos
na alta cúpula policial.
Em 1999, o coronel, já
reformado, participava de uma reunião da ONG de direitos humanos da qual fazia
parte, no edifício Magnus, na cidade do Rio, Cerqueira foi assassinado no
saguão do prédio onde trabalha o advogado Nilo Batista, ex-vice-governador.
Duas horas depois, a
polícia dava o crime como praticamente elucidado. O assassino seria o sargento
Sidney Rodrigues, da PM, atingido, em seguida ao crime, por um tiro na nuca,
supostamente disparado por um segurança da terma Aeroporto, que funciona no
térreo do edifício.
Cerqueira chegou ao
prédio (avenida Beira Mar, 216, centro) pouco depois das 16h. Ele trabalhava
com Nilo Batista no Instituto Carioca de Criminologia, uma ONG (organização
não-governamental).
Testemunhas contaram aos
policiais responsáveis pela investigação que o sargento atirou com um revólver
assim que o coronel parou no saguão à espera do elevador.
Segundo as testemunhas,
o tiro atraiu pelo menos dois seguranças da terma. O suspeito teria enfrentado
os seguranças, mas foi baleado. Às 19h, ele estava sendo operado no hospital
Souza Aguiar (centro).
Cerqueira morreu na
hora. Há controvérsias sobre se ele esboçou reação. Debaixo do cadáver, o
perito Oswaldo de Paiva Netto, do Instituto de Criminalística Carlos Éboli,
achou um coldre vazio. A arma não apareceu.
O perito encontrou uma
cápsula de bala calibre 38 no corredor dos fundos do prédio. Encontrou ainda
uma marca de tiro na parede do saguão, mas a cápsula não foi localizada.
Foi apreendido no local
o revólver 38 que teria sido usado pelo assassino, A arma tinha quatro cápsulas
deflagradas.
Pessoas que trabalhavam
no prédio contaram ter ouvido cinco ou seis disparos. A polícia recebeu de um
flanelinha (pessoa que toma conta de carros na rua) a informação de que um
homem negro e alto teria fugido em correria logo após os tiros.
Retrato falado do
suposto assassino coincide com o semblante do sargento, disse à noite o
delegado Gilberto Ribeiro, da 5ª DP, delegacia responsável pela área onde o
crime ocorreu.
Pai de sete filhos,
Cerqueira estava aposentado na Polícia Militar, desde o fim do segundo governo
de Brizola, em 94.
Estudioso da questão da
violência, ele trabalhava como vice-presidente da ONG, que funciona no
escritório de Nilo Batista.
Interdição
Depois do crime, o
prédio foi interditado. Todas as pessoas que estavam nos escritórios de seus 13
andares foram cadastradas. Ninguém entrava ou saía do prédio sem autorização.
O coronel Valmir Brum,
da Central de Inquéritos da Procuradoria Geral de Justiça, disse que vingança é
a hipótese mais provável.
"Quem fez isso, fez
para matar", afirmou ele.
Basquete
Subsecretário da Casa
Militar no segundo governo Brizola, o coronel Heleno Barbosa disse que
Cerqueira se encontraria no prédio com Nilo Batista.
Os dois seguiriam para
uma partida de basquete, esporte preferido do coronel.
"O coronel
Cerqueira era um homem íntegro, defensor dos direitos humanos e que instituiu o
policiamento comunitário. Foi um crime bárbaro", afirmou Brum.
Essa foi a frase dita
por seu Antônio Correia no dia 02 de março de 2020, durante uma reunião da SDR
(Secretaria de Desenvolvimento Rural), em Salvador.
Na ocasião, seu Antônio ,Koinonia e outras instituições debateram sobre a gravidade do conflito de terra
que ele estava envolvido em Camamu, e que já vinha se arrastando desde 2014. E
como previu naquele dia, DOIS MESES depois, ele foi morto com 3 tiros, dentro
de sua casa.
O conflito se deu com
pessoas da comunidade do Varjão, referente ao uso de uma casa de farinha que
está localizada numa área da comunidade quilombola do Barroso.
Essa área era da família
de seu Antônio e foi doada para a associação para ser de uso coletivo da
comunidade, conforme explicamos em uma matéria publicada no site OQ, e que pode
ser lida no link: bityli.com/5AT5D.
Hoje faz um ano que seu
Antônio foi assassinado, e a morosidade da justiça ainda não deu conta de punir
os assassinos e responder para a comunidade quem são eles e o motivo do
assassinato.
Ontem e hoje publicamos
vídeos dos amigos e familiares do seu Antônio, que vieram a público clamar por
justiça e pedir pela punição dos culpados.
O assassinato de seu
Antônio, assim como o da vereadora #MarieleFranco, é um dos muitos casos de
assassinato de líderes comunitários e representantes do povo que estão sem
resposta. Não podemos deixar esses crimes impunes, e é por isso que Koinonia se
junta à comunidade de Camamu, ao povo do Quilombo do Barroso e pede por
justiça.
Nós queremos saber: QUEM
MATOU SEU ANTÔNIO CORREIA?
Manifestantes protestam contra o
massacre no Jacarezinho, no Rio de Janeiro, em frente à Polícia Civil, na
última sexta, 7 de maio.ANTONIO LACERDA / EFE
O ex-investigador e cientista político, que estuda há
mais de duas décadas as polícias e a segurança pública no Brasil, diz que
faltou inteligência à Polícia Civil. Ele defende investigação independente
sobre o massacre.
O ex-investigador e
cientista político Guaracy Mingardi define a operação na favela do Jacarezinho,
na zona norte do Rio de Janeiro ―que deixou 28 mortos na última quinta-feira,
entre eles um policial que atuava na ação―, como um “morticínio”, que não
deveria ter acontecido caso a Polícia Civil agisse pautada pela investigação e
inteligência, e não pela lógica do confronto. Doutor em Ciência Política pela
Universidade de São Paulo (USP) e membro do Fórum Brasileiro de Segurança
Pública, o ex-policial estuda organizações criminosas há mais de duas décadas e
destaca a militarização das polícias como um problema ao funcionamento da
instituição. “O tráfico se armou, a polícia foi se armando cada vez mais e a
população foi ficando cada vez mais aprisionada no meio deles.”
A operação Exceptis
tinha como objetivo cumprir 21 mandados de prisão contra investigados por
aliciar crianças e adolescentes para o tráfico de drogas no Jacarezinho, região
cujo narcotráfico é dominado pelo Comando Vermelho, e onde vivem cerca de
40.000 habitantes. Dos 21 investigados, três foram mortos e outros três presos.
Foram apreendidos seis fuzis, 16 pistolas, uma submetralhadora, 12 granadas e
uma escopeta calibre 12. Mas ao menos 13 pessoas mortas não eram investigados
na operação, que é considerada a mais letal da história do Rio e a segunda
maior chacina registrada no Estado. Há vários relatos de violações de direitos
humanos feitas por moradores do Jacarezinho. Mas a Polícia Civil nega ter
descumprido regras, critica o “ativismo judicial” dos detratores da ação e
insiste que todos os mortos eram criminosos, com exceção do agente.
O EL PAÍS entrevistou o
especialista em segurança pública neste sábado, por telefone. Na conversa,
Guaracy Mingardi ―que é autor do livro Tiras, Gansos e Trutas: cotidiano e
reforma na Polícia Civil―, apontou o que considera os principais erros
cometidos pela corporação.
Pergunta: Como avalia o
resultado da operação da última quinta na favela do Jacarezinho?
Resposta: Foi uma coisa
que não deveria ter acontecido. É o tipo de operação que não deve ocorrer,
porque virou uma guerra. Na verdade, o trabalho que deveria ser feito não era
esse. A Polícia Civil não está lá para fazer operação atirando; deve
investigar, ir atrás dos criminosos, cumprir os mandados de prisão, mas não
trocar inúmeros tiros em uma área urbanizada. Então foi uma coisa que começou
errada ―por ter sido uma operação desse tipo―, e continuou errada o tempo todo.
Inclusive, se não tivessem feito essa bobagem, e sim esperado para, aos poucos,
ir prendendo cada um deles não teria morrido um policial, nem ninguém.
P: Como podemos
qualificar esta ação?
R: O que aconteceu foi
uma chacina, um morticínio, uma tragédia. Estão falando que todos eram
criminosos, mas eu não vi. E mesmo que fossem criminosos, a nossa legislação
não tem pena de morte então não era para eles serem mortos, e sim presos.
Quando acontece algo desse porte, não se pode dizer outra coisa a não ser que
foi uma chacina, uma tragédia, e a polícia fez tudo errado.
P: Chama a atenção o
fato de a operação mais letal da história do Rio de Janeiro ter sido feita pela
Polícia Civil, cujo papel é investigar? O que levou a uma ação tão letal pela
instituição?
R: A Polícia Civil tem o
dever de cumprir os mandados de prisão. Eram 21 investigados por suspeita de
aliciar menores para o tráfico de drogas, motivo da entrada policial. Só que o
problema é a forma. Como a Polícia Civil se militarizou demais ―e isso em todo
o Brasil―está agindo através de operação, quis pegar todo mundo junto, e não
pega. Vários deles não deveriam nem estar lá, mas para você saber onde eles
estão precisa de investigação, um trabalho de inteligência muito bom. Quando se
faz uma operação dessas botando tanta gente e pega menos de um terço do que era
procurado, tem alguma coisa errada. A inteligência não foi tão boa, a
informação que chegou não foi boa. Para localizar pessoas, por exemplo, quando
teve uma série de guerras na Rocinha, depois de um certo tempo, um dos
principais criminosos foi preso pela Polícia Civil sem trocar um tiro fora da
Rocinha, porque ele estava se escondendo e através de investigações e prenderam
sem dar um tiro, é essa a ideia.
P: A Polícia Civil
afirma que a única execução foi a do policial André Frias, e que todas as
outras mortes foram para neutralizar os traficantes. Mas soube-se depois que
pelo menos 13 mortos nem sequer eram investigados naquela ação. Como vê isso?
R. Quando você entra
atirando não escolhe alvo. Acaba matando quem está reagindo, quem não tem nada a ver com nada. Não se pode fazer uma
guerra na área urbana, a polícia não existe para isso. Na guerra, você entende:
morre inocente e quem tem a ver, mas é uma guerra. Agora, o que aconteceu, não.
Era para ser feito a prisão de alguns criminosos, afinal, não conseguiram pegar
todos eles. Eles fizeram tudo isso para pegar pouca gente e mataram muitos, ou
seja, a ideia está toda errada. Eu sempre falo isso: quem faz operação é
médico, polícia não tem que fazer operação.
P: Em qual contexto
acontece esta militarização das polícia e desde quando?
R: As do Rio começaram a
se militarizar antes, por conta do Comando Vermelho. Na época [final dos anos
1970] e depois, por conta de outras organizações criminosas (que eu não chamo
de facções), as polícias começaram a se armar muito. Primeiro a PM e depois a
Civil partiram para esse tipo de guerra. E por trás disso tudo está a ideia de
guerra contra às drogas, então você deixa a droga mais cara e na mão dos
criminosos, dos mais violentos possíveis, e não adianta nada. Você faz uma
guerra prolongada e nem consegue diminuir a droga circulando? Alguma coisa está
errada nessa política. Como eu disse, não é exclusivo do Rio de Janeiro,
acontece quase que no país todo, mas não em todos os Estados, essa
militarização da repressão ao tráfico, mas as cacas maiores dos últimos tempos
aconteceram lá.
O tráfico se armou, a
polícia foi se armando cada vez mais e a população fica aprisionada no meio
deles.
P: É possível dizer que
há um antes e depois do Comando Vermelho no que diz respeito à atuação das
polícias?
R: No Rio você sempre
teve aquele problema de dificuldade da polícia em subir o morro, mesmo antes
das organizações criminosas, já se tinha as quadrilhas, era difícil de chegar,
bem complicado. Quando o Comando Vermelho começou a tomar o espaço, como no
Santa Marta e na Cidade de Deus, ficou cada vez mais difícil para a polícia
chegar. Depois que os criminosos começaram a usar fuzil, a polícia também
começou a usá-los e foi evoluindo nisso. Cito uma bobagem carioca de fuzil, nas
palavras de Wilson Witzel (governador do Rio que sofreu impeachment por
irregularidades na área da Saúde), que é o seguinte: o tiro de precisão do
helicóptero não existe, por causa da trepidação não dá para dar tiro de
precisão. Não adianta ter um atirador muito bom que você não consegue. Essa é a
maior estupidez de todas, ou seja, para resumir: o tráfico se armou, foi
ficando cada vez mais armado e pesado, a polícia foi se armando cada vez mais e
ficando pesada. São dois lados muito preparados para trocar tiros, e a
população fica aprisionada no meio deles: da polícia e dos criminosos. Se não
pegarmos pesado agora para impedir, vai continuar a acontecer.
P: O que distingue as
atuações do Comando Vermelho e do Primeiro Comando da Capital (PCC), as maiores
organizações criminosas do Brasil, e como isso influencia no trabalho da
polícia?
R: O contexto histórico
do Rio de Janeiro, do armamento, da polícia que foi se militarizando e tem a
questão do Comando Vermelho, que o pessoal é mais porra louca mesmo, muito
diferente do PCC, por exemplo. O pessoal do PCC matar policiais? Precisa de
autorização lá de cima no PCC. Então, na verdade, o Comando Vermelho é cheio de
porra louca que fazem o que quer. Só que a polícia não pode ser cheia de porra
louca, a polícia é uma organização profissional e tem que agir
profissionalmente, essa é a diferença. Os criminosos não estão nem aí em troca
de tiros e atiram no meio da multidão. Eles não estão nem ligando se isso
ocorrer, agora, a polícia, tem que se importar com isso. A polícia está ali
para proteger a população, essa é a função dela.
P: A Organização das
Nações Unidas pediu na sexta-feira que haja investigação independente para
elucidar a chacina. Quem deveria conduzir as investigações deste episódio?
R: Eu sou favorável às
investigações independentes assim como sou favorável à Ouvidoria de polícia com
poder de investigar. Ouvidoria de polícia não constituída por policiais, mas
sim por pessoas que são contratadas pelo Estado e que verificam elas antes de
passar adiante. Mas aí é um caso que vai além de uma simples Ouvidoria de
polícia: é o caso de que vai ter que ter gente com poder. Na verdade, você
teria que ter provavelmente uma ação do Ministério Público, porque o MP pode
convocar pessoas para depor. Então isso deveria partir do Ministério Público.
E, mesmo que não fosse o MP, deveria ser gente com o poder de convocar pessoas
para depor. Não adianta você só ouvir a polícia ou só a população. Você tem que
ouvir todo mundo.
P: O Ministério Público
(MPRJ) acompanhou na sexta-feira a perícia nos corpos das pessoas mortas no
Instituto Médico Legal (IML) e diz que está fazendo uma investigação
independente sobre o caso.
R: Pelo menos o MP deu
um passo. O problema é que muitas vezes temos o Ministério Público muito
ligado, muito amigo da polícia. Tem que ser parceiro de trabalho, mas não
amigáveis demais. Quando o policial comete um erro, tem que ser
responsabilizado. Não é um erro de um policial, eu não estou culpando todo
mundo da operação. É o que aconteceu. Quem foram os reais culpados? Quem mandou
aquilo? Quem organizou aquilo? É necessário verificar se não houve execução,
porque uma coisa é matar criminoso em um tiroteio e a outra coisa é executar.
Quem deixou aquilo acontecer?
O técnico
Thierry Henry, do Montreal Impact, ajoelha-se em homenagem ao movimento Black
Lives Matter em 16 de julho de 2020
Foto:
Michael Reaves/Getty Images
Ex-jogador fechou contas
nas redes depois de ataques racistas a jogadores; futebol inglês faz protesto
neste fim de semana
Faz cinco semanas que
Thierry Henry excluiu suas contas nas redes sociais e que o ex-atacante do Arsenal
vem passando por uma série de emoções.
O agora técnico tomou a
decisão no final de março, após uma onda de abusos racistas online dirigidos a
jogadores de futebol negros e o que ele classifica como incapacidade das
empresas de mídia social de responsabilizar os usuários por suas ações.
Henry diz que não estar
no Instagram ou no Twitter nas últimas semanas tem sido "ótimo".
"No início, eu
estava com um humor meio estranho, digamos, e eu estava tipo: 'As pessoas não
estão percebendo o que está em jogo aqui e o problema que esta sociedade tem
agora'.”
"Mas eu estava
sempre falando e citando a força do grupo, e às vezes, quando você tem que
gritar algo sozinho, você se sente solitário - mas eu não estou falando de mim,
estou falando sobre as pessoas que foram atacadas, assediadas pela aparência,
pelo que acreditam, pela cor da pele, nas redes sociais.”
"Talvez se eu sair
das redes sociais, tomando uma posição pelas pessoas que talvez não tenham voz,
seja possível criar uma onda. As pessoas gostariam de saber por quê. Depois
disso, houve um pequeno período em que eu pensei: 'Bem, é uma pena que as
pessoas não estejam reagindo.'"
Apesar de o Twitter e o
Instagram - que é propriedade do Facebook - anunciarem recentemente medidas
para tentar combater o problema, os ataques racistas online contra jogadores de
futebol negros continuaram.
Quando Henry tomou pela
primeira vez a decisão de deletar suas contas nas redes sociais, o homem de 43
anos disse à CNN que esperava inspirar outras pessoas a se posicionarem contra
o abuso racista e o bullying online. Cinco semanas depois, suas ações
certamente surtiram o efeito desejado.
Nessa sexta-feira (30),
os clubes da Premier League, English Football League, Women's Super League e
Women's Championship, órgãos dirigentes e organizações como Kick It Out
iniciaram um apagão de três dias nas redes.
Algumas das maiores
emissoras do Reino Unido, como Sky Sports e BT Sport, também participam do
apagão, que terminará nesta segunda-feira (3).
“Se [saindo da mídia
social] pode causar um pequeno impacto e ter um impacto ... para isso, você
precisa da força do grupo”, diz Henry. "Então, quando vi que isso
aconteceu recentemente, fiquei realmente feliz, mas estava pensando em todas as
pessoas que esperavam por isso há muito tempo. É uma ótima ferramenta, como
falamos, mas as pessoas às vezes usam isso como uma arma.”
"Gosto do fato de
que as pessoas realmente percebem que, quando nos reunimos, é... poderoso.
Percebi que talvez o fato de eu vir desse meio pudesse criar uma pequena onda
na mídia e criou, fazendo com que as pessoas respondessem a algumas perguntas.
Quando vi o que começou a acontecer neste fim de semana, eu pensei: 'Ok, Ok, é
um começo, é um começo.’”
"Muitas pessoas
estão - não estou dizendo acordando porque todos estavam cientes disso - mas
agora falam alto sobre isso e têm a mesma energia que colocam na Super League.
Parece que estamos conseguindo ser corajosos para tentar fazer com que essas
grandes empresas respondam às perguntas que temos. E eu sei que não é fácil
também do lado deles, mas esse é o trabalho deles."
A posição das redes
sociais
Desde que o boicote foi
anunciado, o Twitter e o Facebook reiteraram o desejo de remover todos os tipos
de abusos das plataformas.
"Não queremos
abusos discriminatórios no Instagram ou no Facebook", disse um porta-voz
do Facebook à CNN. “Compartilhamos o objetivo de lidar com o problema e
responsabilizar as pessoas que o compartilham. Fazemos isso tomando medidas em
relação a conteúdos e contas que violam nossas regras e cooperando com as
autoridades policiais quando recebemos uma solicitação.”
"Estamos
comprometidos em combater o ódio e o racismo em nossa plataforma, mas também
sabemos que esses problemas são maiores do que nós, então esperamos continuar
nosso trabalho com parceiros da indústria para resolver o problema - tanto
online quanto offline."
Questionado pela CNN
sobre a ausência contínua de Henry de sua plataforma, um porta-voz do Twitter
disse: "O comportamento racista, o abuso e o assédio não têm absolutamente
nenhum lugar em nosso serviço. E ao lado de nossos parceiros no futebol,
condenamos o racismo em todas as suas formas.”
"Estamos firmes em
nosso compromisso de garantir que a conversa sobre futebol em nosso serviço seja
segura para os torcedores, jogadores e todos os envolvidos no jogo.”
“O racismo é uma questão
social profunda e complexa e todos têm um papel a desempenhar. Estamos
empenhados em fazer a nossa parte e continuar a trabalhar em estreita
colaboração com parceiros valiosos no futebol, governo e polícia, juntamente
com o grupo de trabalho convocado pela Kick It Out para identificar maneiras de
lidar com esse problema coletivamente - tanto online quanto fora da mídia
social. "
De acordo com o Twitter,
ele tentou entrar em contato com Henry e gostaria de ter a oportunidade de
falar com ele.
O Instagram esteve em
contato com o representante de Henry, antes de ele deixar a rede social e desde
então.
Henry disse à CNN que
não falou diretamente com ninguém no Instagram, mas disse que a empresa entrou
em contato com seus representantes. Henry recusou a oportunidade de se
encontrar com alguém no Instagram, pois quer que a prioridade das empresas seja
tomar medidas para acabar com os abusos.
“Temos tantas, tantas
discussões. Eu só quero ação. É isso. Sobre o que vamos falar? Me contando o
que [declaração] você acabou de divulgar?"
Henry diz que o blecaute
é uma iniciativa bem-vinda, mas adverte contra a complacência. Ele entende que
continuará a ser uma batalha difícil e admite que talvez nunca a veja se
concretizar, mas é inabalável em seu compromisso com a luta.
“[O que] o mundo do
futebol inglês está fazendo neste minuto e o que vai acontecer no fim de
semana, as pessoas me perguntam. E eu: 'É um começo.' Mas sim, temos uma voz.
Podemos realmente conscientizar as pessoas de nossa desaprovação e esperar que
as coisas mudem. Se você não fizer nada, nada mudará. Como eu sempre disse, se
você tentar fazer algo, poderá ter sucesso ou não, mas você está conscientizando
as pessoas e, ao longo do caminho, terá um impacto.”
"Talvez não este
ano, talvez não em dois anos, talvez não em três anos. Talvez não possamos ver,
mas você tem que fazer alguma coisa."
Organizações de mídia do
Reino Unido aderiram ao boicote às redes sociais neste fim de semana. A CNN
decidiu não aderir, mas acredita ter uma voz única para relatar esta campanha e
outras semelhantes. A CNN está empenhada em reportar questões de racismo e
assédio online onde quer que ocorram no mundo.
(Texto traduzido, clique
aqui para ler o original em inglês).